Ciúmes

– Deu tudo certo? – puxando assunto no almoço, o Afonso pergunta para a Clotilde, entre uma garfada e outra.
– Hum hum. O médico disse que…
– Médico? – engasgando com a comida que acabara de botar na boca. – Você disse: MÉDICO?
– Ué? Mecânico é que não ia ser, né, Afonso?
– Mas você não falou que ia na Dra. Silvana para fazer exames nos seios?!
– Dra. Rosana! Ro… Ro… Rosana! Mas ela estava de férias. Eu não queria atrasar esse exame. Com os seios não se brinca! – decretou, olhando para baixo, cumprimentando-os com um sorriso.
– Eu brinco! – resmungou o Afonso, pensando alto.
– Eu tô falando sério, Afonso.
– Eu também! Quer saber? Não é justo, para dizer o mínimo! Sabe quanto tempo demorou até que você me deixasse dar uma “olhadinha”? Um ano de namoro! UM ANO, Clotilde! Apalpar, então…
– Uí… Você é do tempo dos dinossauros, Afonso!
– OK, OK. O exame é importante. Mas um médico? Você não tirou a roupa na frente dele, tirou? Diz que não tirou!
– Claro que não, bobinho!
– Ufa! – visivelmente aliviado.
– Na frente dele, não. Tirei atrás de um biombo. Só depois é que deitei para o exame!
– Deitou? Não é possível, Clotilde. As coisas não foram rápido demais entre vocês? – Agora, o Afonso estava em pé, andando em círculos e com as duas mãos na cabeça – Como você teve coragem?
– Não seja antiquado, Afonso! É só um exame de rotina.
– Rotina? Rotina é o que se repete. Você não está pensando em voltar lá, não é, Clotilde?
– Bem, dizem que o ideal é retornar a cada seis meses.
– O quê? Seis meses? DUAS vezes ao ano? Assim vão ficar íntimos! Verão… inverno… verão… inverno… Ultimamente, nem eu vejo “eles” tanto assim! Apalpar, então…
– Não seja grosso, Afonso. O Dr. Alcides disse que é melhor prevenir do que remediar.
– Repete!
– Remediar!
– Não, o resto.
– Prevenir?
– O noooome, Clotilde! Repete o nome dele!
– Ah, Dr. Alcides. Alcides Cardoso. Conhece?
– Como é que ele é? – O Afonso tampa os ouvidos, como se temesse a resposta.
– Normal Afonso. Nem reparei!
– Diz!
– Ah, sei lá. Simpático, educado, todo vestido de branco. Nada de mais!
– Clotiiiiiilde… – braços cruzados, batendo um dos pés no chão.
– Tá bom, tá bom. Ele é moreno, ombros largos, mais de um metro e oitenta de altura, cabelos desalinhados, olhos verdes, lábios grossos.
– Chulapa! – balançando a cabeça em contrariedade.
– Ahn?
– É o Chulapa! De certeza. Eu já devia saber. É a cara dele, escolher essa profissão!
– Quem?
– Alcides, vulgo Chulapa! Estudou comigo! Pegava todas as meninas da sala. Quando ele saia com uma garota, a gente, depois, perguntava como tinha sido… E ele fazia o sinal de OK e dizia: “Chulapa!” Então, ganhou o apelido.
– O Doutor Alcides… Chulapa?
– Ele mesmo. Toca violão, Clotilde! – anunciou com voz grave, como quem alerta de algo muito sério.
– Vi-o-lão! Aí já dá pra ver o caráter dele! Ele toca vi-o-lão! Agora me diz… O que leva alguém a perder horas e horas treinando músicas no violão? Hein?
– Ele gosta de música?
– Nãaao, Clotilde! Ele gosta de seduzir. É seu hobby! O violão é sua arma! Do violão à “chulapa”, para ele é um toque!
– E que toque… – acrescentou a Clotilde, baixinho, olhando para o chão.
– Como assim? Ele se aproveitou de você?
– Tá brincando, Afonso? Ele me examinou profissionalmente! É médico. Deve saber o que faz! Entende do assunto!
– Pode apostar que entende, Clotilde! Ninguém viu mais “peitinhos” do que ele na escola. Ele tinha até mania de dar nota! Criou um ranking! Marcinha? Tssss…. Fraquinha… três e meio! Simone? Caída… nota dois! Glorinha? Com muita boa vontade… um cinco! Não tinha peitinho na escola que não tivesse recebido uma nota do Chulapa!
– Pois saiba que o Dr. Chulapa… quer dizer, o Dr. Alcides, foi muito respeitador! Educado! Profissional! E você não devia falar assim.
– Mas, Clotilde…
– Tô decepcionada! – cruzando os braços para reforçar a mensagem.
Silêncio.
Mais silêncio.
Finalmente, o Afonso se manifesta:
– Tá. Desculpa, amor! OK, você tá certa! Tem razão! É esse meu ciúme… – confessa – Eu tô até envergonhado.
– Envergonhado? Devia era estar orgulhoso da sua mulher. O Dr. Alcides me deu nota dez!
– Ahn? Como é que é? – engasgando com o suco.
– Ops! – Tampando a boca com as mãos.
Não adiantou a Clotilde explicar que a nota era para o exame de rotina, não para os seios. O mau humor se instalou no Afonso para ficar. E isso porque ela nem explicara ainda o que era esse tal de Papanicolau que o Dr. Alcides marcara com ela para a semana seguinte.