Marcando o passo

18 de junho de 1815. Bélgica.
A alguns quilômetros de uma pequena vila chamada Waterloo…
– Monsieur… Monsieur… – puxando-o pela manga do casaco, para ganhar sua atenção em meio à confusão dos preparativos daquele que seria um dos maiores combates da história.
– Agora não, soldado! – retruca o “grande” general, do alto dos seus 1,58m, sem querer desviar sua atenção dos mapas e maquetes montados sob uma tenda improvisada na fazenda Belle Aliance, seu quartel-general durante a batalha.
– “Seu Bona…” É só um minutinho!
– Soldado… Agora não! Vamos… ao seu posto! Já botamos Blucher, aquela velha raposa prussiana, para correr… Estamos prestes a marchar contra os ingleses e seus aliados! Se o tempo colaborar, antes mesmo do meio-dia vamos chutar o traseiro do Wellesley, aquele duquezinho de &%$#@#!
– Mas é que eu precisava dar uma “palavrinha” com o senhor…
– Ô, Ney… – abrindo os braços para demonstrar sua falta de paciência – Foi você que o deixou entrar?
– De forma alguma, meu General. Soldado… – virando-se para o sujeito que ousava interromper a estratégica reunião do Estado Maior – Onde está seu fuzil? A batalha nos chama…
– Pois é, seu Ney…
– Marechal Ney!
– Isso, Marechal… Esse é o problema… Deve haver um engano…
– Engano?
– Unrum… Nós vamos lutar contra os ingleses, não é?
– Exactement!
– E mais os belgas, neerlandeses, alemães…
– Oui… oui… I’alliance terrible! Mas com o empenho e bravura de homens valorosos como você… vamos arrasá-los todos! O momento se aproxima… Primeiro tomaremos o monte de Saint Jean e depois…
– Olha, General…
– Marechal!
– Isso… Marechal… Não quero estragar o seu barato, mas se depender de mim, vai ser difícil! Não é má vontade não, mas…
– Je ne crois pas! – dando um vigoroso soco na mesa – Você está com medo, soldado? Afie sua baioneta e prepare-se para viver o dia que entrará para a história… – Vive la France!!! – e cerra os punhos demonstrando sua confiança na vitória, no que é seguido pelos demais.
– Aí é que está, meu general… – interrompendo-o novamente – Eu não tenho baioneta, não! Muito menos fuzil!
– Assim não dá! Tá virando bagunça! – o Napoleão fecha os mapas, irritado com a falta de privacidade para terminar o seu planejamento – Assim fica difícil… Será que eu tenho que cuidar de tudo pessoalmente?! Quem é o responsável pelos fuzis? Cabeças vão rolar! General D’Erlon… General Cambonne… Onde está todo mundo?
– Calma, meu comandante – se apressa o Marechal Ney em resolver o mal entendido – Vem cá… como é mesmo o seu nome?
– Thierry Pierre.
– Então, Pierre… Não te deram nenhuma arma?
– Não, senhor! Me deram só um tambor e duas baquetas! – já quase chorando.
– Como é que é, meu filho?!
– Isso mesmo! Eu pedi, insisti… mas só me deram um tambor!
– Ahhhh… Tambor…?! – entreolham-se todos, trocando sinais…
– Entendeu…? – sussurrou o general Cambonne para o Napoleão – Ele é da “turma” do tambor…
– Uhmmmm… Seeeeiii… – Cochichou de volta o Napoleão – Explica pra ele!
– Mas por que eu, Comandante? – sussurrando.
A resposta foi um único olhar que não precisou ser traduzido. Até seus generais sabiam que quando o Napoleão colocava uma das mãos por entre os botões do paletó e arqueava a sobrancelha direita, era melhor não contrariá-lo.
– Tá bom… Tá bom… Eu explico, meu general!
– Meu filho… – puxando-o para o lado com uma das mãos em seu ombro.
– Pierre!
– Como?
– Meu nome, senhor, é Pierre… Thierry Pierre!
– Então, Pierre… Olha só… o tambor… é assim mesmo… Sua função é garantir o ritmo da marcha. Marcar o compasso da tropa…
– Mas eu vou ter um fuzil?
– Bom, quer dizer… Não exatamente…
– Então como eu vou poder atirar neles?
– Você vai fazer mais que isso… Você vai garantir o rufar dos tambores!!! Esse som fará os inimigos tremerem de medo! – disse isso erguendo pelo pulso um dos braços do soltado, como se este fosse um herói.
– Mas e eles? – cruzando os braços, desconfiado – Eles vão poder atirar em mim?
Silêncio de constrangimento. Foi o próprio Napoleão que retomou a palavra:
– Pierre, meu jovem… Veja bem… As colunas de infantaria avançarão sob o seu toque… Não é o máximo?
Coçada de reflexão no cocuruto da cabeça…
– “Seu Napoleão… Não me leva a mal… Mas eu acho que preferia ir pra lá com um fuzil!
– Nada feito! – foi a última palavra dita antes do sinal ordenando que o retirassem dali. Precisava voltar a se concentrar no planejamento de um dia que seria por demais complicado…
– Eu não sei tocar tambooooor! Eu desafiiiiiiiiiino! – ainda gritou o jovem Pierre, pés balançando no ar, ao ser erguido e carregado pelos ombros por dois brutamontes da Velha Guarda Imperial de Napoleão.
* * *
No dia seguinte… Caído, ainda tonto, acordando em meio a centenas, talvez milhares de corpos de soldados franceses abatidos, Pierre olha em volta e, impressionado, constata o tamanho do estrago à sua volta.
– Eiiii… Pssssss! – Chama outro francês abatido próximo dele, que se fingia de morto – Me diz… Ganhamos?
– Não, meu amigo… Perdemos!
– Puts! – desconsolado – Eu avisei que não era bom no tambor!!! Eu bem que avisei… – lamenta-se o Pierre, convicto que o resultado poderia ter sido diferente…
* * * * *